Guerra na Ucrânia: as narrativas e os fatos

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Guerra na Ucrânia: as narrativas e os fatos

Oficial alemão supervisiona civis destruindo armas capturadas. A guerra de extermínio movida contra os russos durante a Segunda Guerra cala fundo até hoje na memória nacional.

Um dos pontos referentes ao segundo conflito mundial que ainda movimentam o imaginário dos historiadores diz respeito aos motivos que levaram a Alemanha do 3o Reich a invadir a URSS. Muitas teorias foram levantadas a este respeito e recentemente mais um livro sobre o assunto foi publicado, “Stalin’s Wars, A New Story of World War II”, onde o autor se utiliza de uma extensa bibliografia, da qual fazem parte muitos dos principais livros já publicados sobre esse assunto, inclusive vários considerados revisionistas, para desenvolver sua própria teoria a respeito do tema.

Independente de qualquer outro fator que provocou a ofensiva alemã contra os soviéticos, uma das principais motivações foi um indisfarçável desprezo pelos russos, fazendo com que a liderança do Reich, com raras exceções, subestimasse grosseiramente seu adversário do leste, pagando um preço terrível por isso no devido tempo.

Pois guardadas as devidas proporções, parece ser este também o principal motivo que faz com que o establishment ocidental adote uma postura de raivosa negação diante dos eventos que ocorrem na Ucrânia, pagando com o sangue dos ucranianos os erros de cálculo grotescos cometidos pela OTAN neste conflito.

Enquanto é criada uma fachada de que se trata de uma guerra do “Ocidente democrático” contra uma espécie de “reencarnação” do 3o. Reich misturado a URSS stalinista em seus piores momentos, a guerra permite ao deep state ocidental faturar bilhões de dólares para o complexo-industrial militar.

Ao mesmo tempo, o conflito neutralizou a Alemanha como força geopolítica viável na Europa, pois o país foi o principal atingido pelos embargos econômicos que cortaram a energia vinda da Rússia, e pela sabotagem contra o gasoduto “Nordstream”, uma ação desfechada pela inteligência americana e um autêntico ato de guerra dos anglo-americanos contra o seu principal aliado dentro da OTAN.

Seria muito importante saber que há diversos motivos que levaram os russos a lançar o ataque contra a Ucrânia, que de forma geral são muito mais sólidos do que qualquer coisa que a OTAN ou os EUA tenham argumentado para intervir no Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, e que nada têm a ver com a suposta tentativa de Moscou de “recriar o Império soviético”, como bradam os simpatizantes da OTAN.

O fracasso de quase uma década nas abordagens diplomáticas por Moscou para resolver pacificamente a questão ucraniana, a manipulação do regime de Kiev pelos governos ocidentais desde o golpe de Estado Euromaidan, a falta de bom-senso das autoridades ucranianas para lidar com a questão da população russa do Donbass, a penetração de elementos neonazistas e extremistas no aparato estatal ucraniano, enfim, tudo isso são elementos importantes que desapareceram do debate e das análises sobre a guerra.

O histórico de “Black ops” no território russo desde 1994, com as guerras no Cáucaso e o terrorismo contra os grandes centros da Rússia, que explicariam a preocupação de Moscou com a segurança nacional, levando o governo Putin a lançar uma guerra preventiva, assim como os planos de desmembramento, fragmentação e submissão da Rússia em favor de potências estrangeiras, também sumiram das narrativas. E não levar em consideração o medo ancestral que o establishment russo tem que o seu país seja pulverizado e seu povo dizimado, o que inclusive permitiria aos observadores honestos perceber que o alcance das ações russas tem sido supreendentemente moderado, é um erro imperdoável em qualquer debate que se pretenda minimamente sério sobre a guerra russo-ucraniana.

O passado autoritário da Rússia é invocado o tempo todo para justificar as medidas adotadas contra o país, enquanto que o autoritarismo atual de vários estados-membros da OTAN é escamoteado, impedindo que se faça o devido debate sobre o possível esgotamento do modelo de democracia ocidental, onde há um crescente descolamento entre os interesses da população e o das elites dirigentes, que não pensam duas vezes em prender dissidentes, manipular o sistema jurídico-eleitoral, dentre outros abusos.

O uso do poderio econômico e militar, a infiltração de agendas deletérias em outros países, enfraquecendo-os, são parte do modus operandi das elites ocidentais que foi tentado contra a Rússia também. A diferença é que os russos têm os instrumentos para se defender e contra-atacar, resguardando seus interesses nacionais pela força se necessário, o que deveria fazer muita gente pensar se é prudente a OTAN travar um conflito por procuração contra um país com o qual não se está em guerra oficialmente, correndo o risco de uma escala potencialmente desastrosa para os países europeus, que ainda não ocorreu justamente porque os russos estão sendo extremamente brandos, limitando suas operações a setores bem específicos da linha de frente.

O fato é que as análises sobre a guerra na Ucrânia deveriam ter seus horizontes expandidos e englobar questões como história, liberdade, inclusive religiosa, segurança nacional e nacionalismo, saindo do campo da mera propaganda descarada, do conhecimento de almanaque, do senso-comum baseado em referências da “Guerra Fria” ou na grande mídia corporativa ocidental porta voz do deep state, ela própria agente de engenharia social, como provado pelos eventos recentes durante a pandemia.

Paulo Diniz
Paulo Diniz
Graduado em História e Geografia, com pós-graduação em História Militar. Organizou o livro "Conspiração de Portas Abertas" (2008)

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