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A saída para o Brasil? Material Humano!

O "sistema" consegue se reinventar o tempo todo. E a disputa eleitoral brasileira é prova disso.

Bom, eu sei que para a grande maioria dos leitores, Política é novidade e, assim, tudo surpreende. Para mim, não é novidade. Já estou nessa há décadas e, assim, eu vejo as coisas de uma forma mais ponderada.

Fato é que, no Brasil, a regra é a crise e não a estabilidade. Tivemos, na verdade, poucos períodos de estabilidade durante nossa História, pelo menos, desde a proclamação da república.

Não me assusto nem um pouco com o momento atual do Brasil. Eu já vi momentos muito mais críticos. A situação atual, longe de ser a ideal, não tem a menor possibilidade de descambar para o inferno que as pessoas estão achando que vai. As engrenagens do poder brasileiro são muito pesadas e as peças enferrujadas e, assim, ng consegue impor seu plano de poder pessoal. A oposição que um projeto autoritário comunista teria não viria daquele bando de imbecil eleito pelo bolsonarismo, mas sim do próprio sistema. Isso é bom? É melhor do que o caminho livre para um projeto de autoritarismo deliberado, mas, certamente, poderíamos estar em uma situação melhor. Mas pq não estamos? Pq nossos políticos são uma desgraça? Pq temos sempre que escolher o menos pior?

Políticos são reflexo da sociedade. Nossa sociedade que é uma desgraça. Somos um país de ignorantes que, por uma sorte do caramba, nasceu em uma terra abençoada. Mas é a ignorância que não nos permite evoluir a ponto de podermos usufruir do que Deus nos deu. É por isso que o sistema faz de tudo para que o povo continue na ignorância e, assim, seja possível manter o status quo.

Minhas décadas de contato, de perto, com político me faz ter certeza absoluta de uma coisa: tirando uns pouquíssimos gatos pingados que acabam se afastando, na política ou vc é manipulador ou manipulado. Assim, se vc não estiver manipulando ninguém, pode ter certeza absoluta, de que está sendo manipulado. Alguns poucos (mas são muito poucos mesmo) percebem a dinâmica e se afasta. A grandessíssima maioria sai completamente do cenário, mas alguns imbecis como eu ainda insistem em tentar ajudar e, aí, é porrada de todos os lados, dos manipuladores e dos manipulados.

Acredite vc ou não, o mundo não vai acabar e o Brasil não virará a Venezuela. Depois escrevo um texto sobre isso. Bolsonaro passou e Lula vai passar. O Brasil fica. Mas o Brasil ficará melhor ou pior? Isso vai depender única e exclusivamente de um único fator: MATERIAL HUMANO. Todo país precisa de material humano para prosperar.

Criar material humano é fácil? Não, não é. Mas, se não começarmos, nunca vamos chegar lá. Óbvio que há várias abordagens a esse respeito. Não vou falar de pessoas qualificadas para trabalhos técnicos e afins, vou falar de algo mais básico e que, hj, para nós, é muito mais urgente. As pessoas precisam voltar a PENSAR. As pessoas não estão mais pensando. Estão, apenas, sendo guiadas através de mantras programáticos que só servem aos manipuladores.

Mas como sair dessa armadilha? Bom, eu não tenho todas as respostas, mas há, pelo menos, 2 pontos que eu acho que são válidos para iniciar e posso tratar dos dois explorando esse caso do Deltan. Quais são os pontos? ESTAR ABERTO À IDEIAS CONTRÁRIAS E PROCURAR REFERÊNCIAS.

Estar aberto à ideias contrárias não significa aceita-las, mas, pelo menos, refletir sobre o que lhe dito e ver se faz sentido ou não para vc. Procurar referências significa ir atrás de gente que manja daquele assunto e não qualquer palpiteiro, pq as coisas são colocadas de forma simplista, justamente, para q vc vire um propagador daquele ponto de vista, que, nem sempre é o correto, mas que quem te manipula quer que vc propague.

No caso do Deltan, o TSE entendeu pela perda do mandato. Alguns estão criticando a decisão, inclusive alguns juristas. Outros tantos concordam com a decisão. Eu, por exemplo, vejo a decisão como correta. Mas pq isso acontece? Quem está certo?

Bom, isso ocorre pq o Direito é interpretativo. Gostem ou não, ele é e, assim, o alcance de uma norma jurídica sempre dependerá da interpretação do leitor como leitores distintos têm interpretações distintas, isso sempre vai ocorrer. Inclusive, qquer palavra tem a sua vagueza e, assim, cada um a associa a algo.

Se eu falo a palavra “livro”, com certeza absoluta, a imagem que vem à minha cabeça é diferente da que vai à sua. O livro que imagino pode ser maior ou menor, mais colorido ou menos colorido, com diferentes tipos de capa. Isso se dá pq os substantivos mais do que palavras são conjuntos e, assim, todas as espécies daquilo que entendemos por livros estão abrangidas quando se fala esse nome.

Diferentemente, seria se eu falasse aquele livro que estava na mesa de fulano. Nesse caso, se ambos sabemos qual livro era, ambos teremos a mesma imagem na nossa cabeça. Agora, imagine só quando se parte para conceitos mais vagos ainda, mais subjetivos, como “grave ameaça”. Ora, grave ameaça para mim pode ser algo completamente diferente de grave ameaça para você. O mesmo se diga a respeito de “dignidade da pessoa humana”, “excessos”, “boa-fé”, “liberdade” e, por aí vai.

Liberdade, por exemplo: vc acha que o conceito de liberdade que eu tenho é o mesmo de alguém que tem que acordar 4:00 hrs da manhã, demorar 3 para entrar no trabalho, ficar quebrando concreto abaixo do sol a pino, comer uma marmita fria, pegar mais 3 horas para voltar para o barraco e ver os 12 filhos com cara de famintos todo santo dia sem ver nenhuma alternativa? Liberdade para mim é poder viajar, poder decidir o que eu quero fazer, poder trocar de carro, comprar uma casa melhor, comprar uma casa na praia, cuidar dos meus cachorros, postar algo numa rede social quando eu quiser e “n” outras coisas. O cara que quebra laje deve ter uma lista mais reduzida, certo? E, com certeza absoluta, para ele, ter conteúdo removido de sua rede social (que ele sequer tem) não é prioridade.

Quanto ao caso do Deltan, como falado lá em cima, o Direito é interpretativo e, assim, é possível sustentar tanto a posição do TSE quanto a posição dos tais juristas q pensam em sentido contrário. Até mesmo quem fez Direito tem dificuldade de entender que a norma jurídica não é o texto legal. A norma é a imagem da regra que é criada na cabeça do intérprete. É como a imagem do livro que falamos acima.

Agora, o Direito tem regras de interpretação, que estudamos em uma disciplina chama IED – Introdução ao Estudo do Direito, ministrada no 1º ano do curso de Direito. Veja que há uma matéria para ensinar como aprender o Direito, até pq existem vários métodos de interpretação (literal, teleológico, sistemático, etc) e há áreas em que se deve aplicar, POR LEI, determinado método.

Por exemplo, as normas constitucionais devem ser interpretadas de forma ampla, deve-se abrir os conceitos. Qdo, por exemplo, tem-se a imunidade tributária para comercialização de livros trazida pelo art. 150, VI, d, da CF/88, entende-se que o que se quis proteger da tributação não foi o livro em si, mas sim o conhecimento ali existente e, por isso, essa norma, mesmo não prevendo expressamente, deve ser aplicada, por exemplo, também a livros digitais e seus componentes importados. Então, se vc comprar um Kindle, que não é um livro, ele é imune, de acordo com a Súmula Vinculante 57 do STF. Por outro lado, as chamadas normas de exceção, ou seja, normas restritivas devem ser aplicadas de forma também restritiva e, assim, se há uma causa agravante no artigo 157 do CP quando há utilização de arma de fogo, se o ladrão ameaçar a vítima com um arco e flecha a agravante não é aplicada.

Dito isso, o que é mais relevante aqui é que a norma jurídica é a imagem criada na cabeça do intérprete e que deve levar em conta todo o ordenamento, ou seja, todas as outras normas e princípios, naquilo que chamamos de ”interpretação sistemática”. É por isso que é subginasiano falar que determinado direito é absoluto. Não há NENHUM direito absoluto, já que cada instituto é delimitado por outro. Por exemplo, se a liberdade é um direito absoluto e, assim, nada pode mitigar o direito de ir e vir, como se pode justificar que há prisões? O preso tem sua liberdade retirada pq a sociedade, naquele caso, definiu que sua conduta feriu um bem jurídico mais importante do que a sua liberdade individual.

É por essas e outras que é desesperador ver gente sem formação jurídica achando que tem condições de dar opiniões sobre aplicação de leis. Qdo apareceram aquelas necromantes do Diário Oficial, eu avisei que as interpretações que apresentavam estavam completamente erradas. Bom, quem estava certo?

Voltando, quando se aplica uma norma que restringe algum direito, sempre haverá um sopesamento sobre qual bem jurídico tutelado é mais importante. E aí que mora todo o problema, já que as pessoas são diferentes e têm conceitos diferentes. O livro na minha cabeça é diferente do na sua.

E, obviamente, isso se aplica muito, tb, à liberdade de expressão. Se vc fizer um post agora, nesse exato momento, dando meu endereço e oferecendo 1MM de reais a quem me matar, esse post deve ser retirado (censurado)? Qdo eu faço esse tipo de pergunta, o que eu mais ouço é que sim pq essa conduta é crime. Mas aí as pessoas incorrem em outra contradição. Como assim é crime? Não é necessário ter um processo para se definir se houve ou não crime? Não está na moda se recorrer à presunção de inocência? Onde estaria o devido processo legal?

Alguns, na patética tentativa de defender seu ponto de vista pela liberdade absoluta, falam que que não deve ser retirado. Nesse caso, garante-se o a livre expressão e depois pune-se pelo crime. Ora, para esses juristas de açúcar, a liberdade de expressão de determinada pessoa é mais importante do que a minha vida.

Mas a liberdade de expressão vem no inciso IV do artigo 5º da CF (CF essa q ninguém nunca lê mas adora dar pitacos). Só que as pessoas se esquecem que os incisos do artigo 5º, como todo inciso, são parte do caput e estão apenas melhor esclarecendo as formas de operacionalização das garantias previstas nesse tal caput que prevê, dentre elas, a “inviolabilidade do direito à vida”. Ou seja, mesmo que o bom senso esteja em desuso, pela própria CF, o seu direito de expressão não é mais importante do que a vida de ng.

Inclusive, sobre essa questão há até uma lei, a Lei Complementar 95, que fala como se faz lei e explica direitinho o papel do caput, do inciso, do parágrafo e da alínea. Aí eu te pergunto: VC SABIA DISSO? Consegue perceber que as coisas não são tão simples como parecem? Será que não está havendo um tumulto no debate com tanta gente que não conhece as regras falando sobre as coisas? Não criticávamos jornalistas que contestavam médicos durante a pandemia?

No caso específico do Deltan. A alínea “q” do inciso I do artigo 1º da LC 64 determina: “os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que TENHAM PEDIDO EXONERAÇÃO ou aposentadoria voluntária NA PENDÊNCIA de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;”.

Ora, esse “na pendência” deve ser interpretado como durante um processo que já existe, ou pode ser interpretado de forma a se entender que tal processo está em vias de ser instaurado? É isso que tem que ser definido nesse caso. A situação seria completamente distinta se a norma falasse “na pendência de decisão em processo disciplinar que foi instaurado”

Assim, ambas as interpretações são sustentáveis e, veja, que aqui não há o que se falar em presunção de inocência, ou condenação, porque a norma escolheu DELIBERADAMENTE como gatilho não a condenação e sim a existência do procedimento disciplinar, diferentemente de outras alíneas em que o gatilho é a condenação.

Um outro erro que eu estou lendo por aí é que as pessoas estão falando de que essa decisão é uma inovação que teria sido adotada de forma totalmente contrário a tudo para punir o cara. Não, não é. Na verdade, esse entendimento já foi aplicado pelo STF em 2010, em uma reclamação cujo relator era o Ministro Eros Grau. Naquela ocasião, o cara que foi eleito presidente do TRF da 3ª Região tinha tentado se esquivar da regra que proibia que ele assumisse a presidência através de algum subterfúgio. Ou seja, ninguém sabe nada do que está falando.

Agora, ok, quem entende que havia a necessidade do processo disciplinar em si tb tem argumentos, que ,a meu ver são mais fracos, mas faz parte. É assim que as coisas funcionam, com o debate de ideias se chega na melhor compreensão.

Agora, se as pessoas estão defendendo que o Deltan não devia ter sido cassado porque isso ofende a Democracia, já que ele teve mais de 300K de votos, as pessoas estarão entrando em uma seara ainda mais complexa. Nesse caso, o que se estará pregando é afastar uma norma expressa por conta de que ela supostamente ofende um postulado cujo conceito é extremamente amplo e subjetivo. Se formos aplicar isso sem dó nem piedade, daqui a pouco vc não vai poder tirar um invasor da sua casa pq seu direito (propriedade e inviolabilidade do domicílio) pode ser entendido como menos importante do que a dignidade da pessoa humana, o direito à moradia e o direito à liberdade do invasor. É por isso que tem que se ter cautela.

Quanto a casuísmo, ou seja, essa questão que sempre é dita que o grande problema é que as decisões só existem para um lado e não para o outro. Em primeiro lugar, isso não é verdade. Concordo que grande parte do Judiciário e de integrantes do MP simpatizam com ideologias de Esquerda. Isso é verdade, mas não é verdade que só se decide em favor da Esquerda. O que acaba acontecendo é que quem não atua no dia a dia não fica sabendo e, por óbvio, ficar seguindo perfis sensacionalistas de Direita não vai te ajudar a ter essa informação. Não estou aqui dizendo que está tudo bem e que não há muitos excessos. Sim, há, mas não é exatamente como vcs pensam. Eu mesmo já trouxe aqui várias decisões do STF que são corretas e que ajudam o país, inclusive, decisões julgando improcedente pedidos do próprio PT.

Agora, sobre reclamar que só se decide em favor de um lado, temos que ver o que queremos. O que se fala é que espera-se a lei valha de forma igual para todos, não é? Mas queremos que seja igual como, aplicando ou não aplicando? Em outras palavras, se alguém que mata uma criança é, injustamente, solto, a gente quer que isso faça com que qualquer outro que mate crianças tb seja solto, ou a gente quer, na vdd, que aquela decisão de liberdade seja revogada e que todos que cometem esse crime sejam presos? O fato de pessoas que estão agindo de forma ilegal não estarem sendo punidas deve ser o ponto de partida para que ninguém mais seja punido, ou devemos tentar, da forma que der, reverter para que todos sejam punidos? Pq é disso que se trata e ng está percebendo.

Eu tenho 26 anos de Direito. Concordo que é uma fase em que abusos estão ocorrendo de forma recorrente. Está-se atropelando o devido processo legal descaradamente. Mas fato é que isso não é de hj. Vcs é que não sabiam (e eu volto nisso em outro texto). Agora, MUITO do que está ocorrendo agora é reflexo direto do que a Direita aplaudiu durante a Lava Jato. Não foi ali que os abusos começaram. Na verdade, abusos SEMPRE existiram, mas foi ali, pela primeira vez, que se validou junto à opinião pública a ofensa a regras processuais em nome de um tal “bem maior”.

Todos nós sabíamos que o PT praticava corrupção. Assim, todos nós batemos palmas para prisões baseadas exclusivamente em delações, delações estas que, em muitos casos, eram forjadas ou, ainda, foram feitas por pessoas que foram presas sem nenhum tipo de indício, mas o foram justamente para serem forçadas a fazer delações. Como eu disse acima, eu só falo sobre o que eu sei e sobre LJ eu sei bem, pq atuei em vários casos.

Agora, é óbvio que muita gente que foi presa tinha que ter sido presa mesmo e, na vdd, ter apodrecido na cadeia, mas, na época, eu fui bem criticado qdo avisei que os abusos processuais iriam gerar anulação dos processos no futuro. Fui chamado até de corrupto. Deu no que deu.

O que eu quero dizer com isso é que temos que ter cuidado com o que pedimos, pq, muitas vezes, o bumerangue volta e acerta bem no meio da nossa cabeça. O que eu mais vejo é advogado reclamando de militância do Judiciário, mas qdo vc vai ler as peças é militância pura. Ora, se é o juiz que decide, ou seja, se ele que tem o poder de decisão, vc acha mesmo que vai ganhar do cara no grito? E é, muito, por isso que esses tais advogados de Direita só tomam porrada nos processos, pq não agem com estratégia e aí, qdo perdem, o que fazem? Vêm chorar as pitangas nas redes (o que é na vdd, infração ética por disposição legal, mas quem liga, né?) e aí vc acha que só a decisões ruins que privilegiam a Esquerda. O próprio TSE, nessa última eleição, acredite se quiser, percentualmente, deferiu mais pedidos da Direito do que da Esquerda. A diferença é que a Esquerda recorreu muito mais vezes.

Dito isso, para finalizar, a ÚNICA coisa que podemos fazer pelo país é nos capacitar. E isso tem que vir de nós mesmos. Não há NADA mais. Se o governo passado, com o apoio popular nunca antes visto, não mudou nada, esqueça esse papel de guerreiro da liberdade, pq os últimos que fizeram isso, o fizeram acreditando em um cara eu os chamou de bobos da corte e agora vão apodrecer na cadeia.

E para se capacitar busque boas fontes e aceite opiniões contrárias. Boas fontes vão te dar conteúdo de qualidade (que não necessariamente estarão certas, mas que terão um embasamento intelectual) e as opiniões contrárias, se vc deixar, podem reativar os mecanismos de raciocínio que vêm sendo desconectados da sua cabeça há tempos. Fazendo isso, começa-se o processo para permitir que vc deixe de ser manipulado e, assim, para fazer com que suas ações tragam benefícios para vc e para os seus e não para quem está te manipulando.

Fernando Vaisman
Fernando Vaisman
O autor é advogado, professor e escritor.

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